Preparação de originais
Análise e intervenções mais profundas no texto |Série: Como se faz um livro
O livro parece “pronto”, mas pode não estar pronto. Uma leitura especializada, feita por alguém que tenha largo conhecimento de literatura, além de vasta experiência de leitura, poderá apontar erros de estilo, personagens fracos, repetição de cenas e até mesmo incongruências na trama. Convidamos a escritora e doutora em Escrita Criativa Júlia Dantas, preparadora de originais à frente do Baubo – www.baubo.com.br – para explicar como funciona seu trabalho. Ele começa logo após a contratação dos originais pela editora e vem antes da revisão ortográfica.
Qual é a diferença entre revisão ortográfica e preparação de originais?
J: Enquanto a revisão foca nas questões de ortografia e gramática, a preparação tende a se dedicar às questões mais estruturais do texto, assim como aos aspectos estilísticos. Tomando como exemplo um texto literário de ficção, digamos um romance, quem prepara o texto vai avaliar desde a construção de personagens até a amarração do enredo, passando pela análise da verossimilhança, da coerência interna da narrativa e da organização de capítulos. Ao mesmo tempo, também vai fazer sugestões no nível “micro” do texto, podendo apontar repetições de palavras ou ideias, problemas de construção frasal, pontos de confusão e outros tropeços de estilo. Quem trabalha com preparação talvez até possa deixar passar um erro de crase, mas vai garantir a fluidez e a força do texto final.
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Qual é a arte da preparação de textos? Em que consiste? Quais atributos e especializações a pessoa que cumpre essa tarefa deve ter?
J: Qualquer pessoa que pretenda preparar textos deve, antes de mais nada, ser uma grande leitora. A preparação exige um jogo de alteridade, e é preciso ter um repertório imenso de leitura para ser capaz de se colocar no lugar do autor, enxergar quais são seus objetivos e sua proposta estética, e assim fazer análises e sugestões a partir do que o livro pede e não a partir do que acha melhor. Por isso, todo mundo que prepara textos deve ler não apenas obras de que gosta, mas obras de diferentes estilos, nacionalidades, épocas e correntes literárias. A pessoa precisa estar apta e se inserir tanto no universo da prosa poética quanto no contexto de um romance histórico, por exemplo, ou ainda no universo das sagas de fantasia e nos atuais contextos de uso de subversão da norma padrão; enfim, as possibilidades de criação de texto são infinitas, e a preparação precisa achar as ferramentas para lidar com cada caso.
Em que etapa da produção editorial se insere a preparação do texto?
J: A preparação ocorre com uma versão completa e quase finalizada do manuscrito. Nas grandes editoras, é uma etapa que vem após a contratação do original. Já as editoras menores muitas vezes não conseguem dar conta desta etapa, e muitos autores buscam o serviço de preparação por conta própria, às vezes até antes de apresentar o original a uma editora, garantindo mais chances na busca pela publicação. Em todo caso, costuma ser o estágio final de grandes alterações do texto. Após a preparação, o livro segue para a revisão e seus ajustes menores e então estará pronto para ganhar o mundo.
O preparador tem autoridade para sugerir mudanças – às vezes profundas – no texto. Como os escritores, de modo geral, lidam com isso?
J: Na minha experiência, a maioria dos escritores se sente muito grato pela leitura atenta e minuciosa de suas obras. São raros os que resistem a receber sugestões. O mais frequente é que o escritor aceite a maior parte dos apontamentos, mas muitas vezes discorde da solução proposta por quem preparou. Ou seja, quem escreveu entende que existe ali um problema, mas busca um caminho próprio para resolver. Exceto no caso de sugestões de cortes: via de regra, quando a gente sugere um corte, os autores aceitam e depois nos contam que foi doloroso cortar, mas que reconhecem o ganho no texto final. Então em resumo é isso: a preparação cumpre esse papel duro de apontar falhas, mas o resultado final faz valer a pena.
O que acontece quando um escritor ou escritora não aceita as alterações propostas pelo preparador?
J: A decisão final é sempre de quem escreveu. Às vezes a pessoa está defendendo algo que julga ser a essência do seu estilo, ou está resguardando frases ou cenas que são importantes para ela por motivos não literários. Certa vez, uma escritora fez questão de manter a menção a um objeto que não tinha relevância nenhuma para a cena, mas era uma homenagem secreta que ela estava fazendo ao seu pai, colecionador de tal objeto na vida real. E tudo bem, o nosso papel na preparação é apontar os potenciais problemas, mas quem escreve tem todo direito a correr os riscos que quiser. A arte é sempre uma aposta.
Como é possível se candidatar a fazer preparação de textos para uma editora? Como se deve fazer essa abordagem?
J: Possivelmente, o melhor é se oferecer para fazer uma amostra. Uma boa abordagem também passa por mostrar que você entende a proposta e o catálogo da editora: se você tiver uma formação na área da psicologia e notar que no catálogo da editora há livros dessa área, vale a pena mencionar. Se você tem artigos ou obras publicadas, também é importante apresentar como parte do seu currículo. Mas, olhando do ponto de vista da editora, o que convence mesmo é uma amostra bem feita.
A etapa da preparação de originais pode ser “pulada” na produção de um livro? O que acontece, nesse caso? Quais as consequências?
J: Com frequência ela é pulada nas pequenas editoras nos casos em que os autores não podem bancar a preparação por si mesmos. A consequência é que os livros acabam publicados sem o melhor acabamento que eles poderiam ter. Então, muitas vezes, um livro que tem um esqueleto competente e um estilo promissor acaba saindo com um tom de amadorismo. A preparação pode ser a diferença entre uma obra que parece um bom rascunho e uma obra amadurecida.
Julia Dantas é escritora, tradutora e doutora em Escrita Criativa. Autora de "Ruína y leveza" (Dublinense, 2015), finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, de "Ela se chama Rodolfo (DBA, 2022), vencedor nas categorias romance do Prêmio Livro do Ano da AGEs e do prêmio da Academia Rio-Grandense de Letras e de "A mulher de dois esqueletos" (Dublinense, no prelo). É co-fundadora da Baubo, empresa que auxilia escritoras e escritores a levarem adiante seus projetos literários.
A política do dedo do meio – Debate em São Paulo
Como descreveu o jornal “The Washington Post” ao falar de Donald Trump, a “política do dedo do meio” é aquela em que não há adversários, e sim inimigos a serem eliminados. O advogado e cientista social Alexandre Gossn (Universidade de Coimbra) – cliente da Oasys Cultural – e o jornalista Conrado Corsalette (Nexo) se reúnem para debater as origens do novo cenário insuflado pelos algoritmos das redes sociais, e apontar saídas para o atual impasse das democracias no Brasil e no mundo.
Dia 3 de agosto, 11h às 13h, Livraria Expressão Popular no Armazém do Campo – Alameda Nothmann, 806 – Campos Elíseos (SP). Produção: Carola Gonzalez. Apoio: Oasys Cultural e Ed. Fósforo.
Curso de roteiro para escritores
O curso Roteiro para Autores visa proporcionar aos escritores os conhecimentos necessários para adaptar suas obras literárias para roteiro audiovisual, seja para longa-metragem ou série. Monica Solon, roteirista e professora de Roteiro Adaptado na ECDR (Escola de Cinema Darcy Ribeiro) e FACHA, ministrará o curso para quem deseja aprender as técnicas e questões envolvidas no processo de adaptação. Emplacar o roteiro junto a uma produtora é outra história e, em breve, Oasys Cultural vai convidar a Mônica para uma conversa em seu canal no YouTube.
Início: 06 de agosto. Informações e inscrições aqui.
Perdas gestacionais na literatura
Oasys Cultural convida para bate-papo e leitura de trechos do livro “Clearblue blues” (Ed. Urutau). Quatro vezes a escritora e tradutora Cristina Parga engravidou, mas apenas uma gestação foi adiante. Os outros três bebês “não vingaram”, como diziam os antigos. O drama das perdas gestacionais é narrado com beleza, literariedade e pungência em uma obra tecida com versos e prosas breves. Mediação: Valéria Martins. Dia 30 de julho, terça-feira, 19h no Instagram @cristinaparga.
Como se faz um livro
Perdeu as outras entrevistas da séria Como se faz um livro?
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Até a próxima!
Com carinho,
Valéria Martins | Agente Literária da Oasys Cultural