Quando eu era jovem já amava os livros, mas sabia pouco sobre mercado editorial. Entrei em uma livraria qualquer de shopping e pedi um exemplar de “Coração das trevas”, de Joseph Conrad – um clássico da literatura. Fui para casa e comecei a ler. Achei um tanto estranha a narrativa. Seria o estilo do autor? Anos depois fui entender que se tratava de uma má tradução. O texto era truncado, não fluía. E eu quase “culpei” Conrad por isso!
Uma boa tradução requer que o(a) tradutor(a) seja, antes de tudo, um bom escritor(a). É mais importante conhecer o próprio idioma, para o qual se deseja verter a obra, do que o idioma estrangeiro.
Oasys convidou William Soares dos Santos, escritor e poeta premiado, professor da UFRJ e tradutor da obra de Grazia Deledda (1871-1936) – primeira mulher italiana a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura –, para falar sobre seu ofício. O tema foi esmiuçado na série de lives “Tradução de livros brasileiros no exterior” no canal da Oasys Cultural no YouTube – aqui.
O que é necessário para que a tradução de um livro seja considerada de boa/excelente qualidade?
W: Uma boa tradução de um livro tem de construir um equilíbrio delicado que, ao mesmo tempo, permita o diálogo com os prováveis leitores da tradução, sem perder a intenção original da mensagem de quem criou a obra.
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Como funciona o trabalho de um tradutor de livros?
W: Não existe uma regra única e cada tradutor(a) pode desenvolver seu jeito de trabalhar. Acho necessário que o livro seja lido por inteiro antes de ser traduzido, porque, com a perspectiva de final de termos peculiares, nomes e elementos sintáticos utilizados pelo(a) autor(a) da obra original, o(a) tradutor(a) estará mais bem preparado para realizar a tradução sem tantas interrupções ou idas e vindas no texto. Mas, por causa da pressão editorial no que se refere aos prazos, muitas vezes um(a) tradutor(a) começa a traduzir um dado livro à medida que o lê. Além disso, há trabalhos que são divididos entre um ou mais tradutores. Nesses casos, o preparador final se torna importantíssimo para “aparar” estranhezas e desequilíbrios estruturais, evitando, por exemplo, que um nome ou expressão importante para a compreensão do texto sejam traduzidos de formas diferentes. Um tradutor profissional, que se dedique integralmente a uma tradução, pode traduzir duas mil ou mais palavras por dia. Em termos de páginas de programas de edição como o Word, isso corresponde a seis a oito páginas por dia, aproximadamente. Por fim, pouco a pouco, vem se desenvolvendo a figura do tradutor que insere os textos a serem traduzidos em programas de tradução e corrige o que considera necessário. Essa forma de trabalho tende a aumentar com o desenvolvimento do que chamamos de inteligência artificial.
Qual é a diferença entre a tradução de Literatura e de não-ficção?
W: Tudo depende do trabalho a ser traduzido, mas, geralmente, a tradução literária exige do(a) tradutor(a) conhecimentos e sensibilidades a respeito de quem escreveu a obra original e do contexto histórico e social no qual a obra foi produzida, já uma obra de não-ficção pode exigir, dentre outros, conhecimentos técnicos do tradutor. Um bom exemplo é que para se traduzir um livro de medicina o(a) tradutor(a) ou deve ser um(a) médico(a) ou ser assistido(a) por um(a).
Você é o tradutor da obra de Grazia Deledda (1871-1936), primeira mulher italiana a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. Quais foram os desafios desse trabalho?
W: Acredito que os dois principais sejam, primeiramente, o de proporcionar o diálogo entre a obra de uma mulher italiana que escreveu entre os séculos XIX e XX e leitores(as) brasileiros(as) vivendo no mundo contemporâneo do século XXI e o segundo é o de preservar a intencionalidade de sua escrita, procurando manter, por exemplo, a sua mensagem, a sua dimensão cultural e o seu estilo.
O que recomendaria a alguém que deseja se tornar tradutor?
W: Conhecer bem a língua para a qual irá traduzir o texto (que, geralmente, é a língua materna do tradutor), isso porque grande parte de erros que podem ser encontrados em uma tradução são aqueles feitos na língua para a qual a obra está sendo traduzida. Conhecer bem, também, a língua e as culturas que concernem à obra a ser traduzida. Por último, exercer a paciência e a determinação em todos os momentos de sua busca, uma vez que estar diante de uma obra a ser traduzida de um lado e a página em branco a ser preenchida com a tradução do outro pode ser algo assustador e um desafio imenso.
Como é o mercado de trabalho para tradutores de livros no Brasil?
W: Cada editora tem uma política especial para cada demanda de tradução. Tradutores(as) especializados(as) podem ser convidados(as) a realizarem trabalhos específicos. Mas, geralmente, a editora já conta com uma equipe de tradução que contata à medida de suas necessidades. Atualmente, esses profissionais dificilmente possuem vínculo empregatício com as editoras e trabalham, geralmente, em modalidade de freelancers ou, no Brasil, na categoria de MEI.
William Soares dos Santos é professor da UFRJ, escritor e tradutor. Com “Poemas da meia-noite (e do meio-dia)” ganhou o prêmio PEN Clube do Brasil 2018 – Melhor Livro de Poesias. Finalistas do Prêmio Jabuti de 2020 Melhor Tradução com “A cidade do vento”, de Grazia Deledda (Ed. Moinhos). Em 2021, foi agraciado com o prêmio da Casa delle traduzioni em Roma, Itália, em reconhecimento por suas traduções da obra de Grazia Deledda. Seus trabalhos mais recentes como autor são “Três Sóis” (poesia, 2019) e o romance“ Memórias de um triste futuro” (contos, 2020), ambos publicados pela Editora Ed.Patuá. Mantém o site: http://williamsoaresdossantos.com.br/index.html.
Prêmio Ensaios
Estão abertas as inscrições para o 7º Concurso de Ensaios da Revista Serrote, especializada neste gênero e publicada pelo Instituto Moreira Salles. A premiação selecionará três textos inéditos, que serão publicados na edição da Serrote de novembro de 2024. O primeiro colocado receberá o valor de R$ 10 mil, o segundo, R$ 7 mil, e o terceiro, R$ 4 mil. As inscrições vão até 2 de agosto. Regulamento aqui.
Novo Prêmio Caminhos de Literatura
Uma nova premiação promete lançar um novo autor ou autora de romance inédito, que será publicado e distribuído pela editora Dublinense, reconhecida no mercado. É o Prêmio Caminhos de Literatura, com curadoria do escritor Henrique Rodrigues, ex-Prêmio SESC de Literatura. O ganhador receberá R$ 5.000,00 como adiantamento de direitos autorais e terá tutoria sobre mercado editorial com o próprio Henrique. Inscrições gratuitas até 21 de agosto. https://www.premiocaminhos.com.br/edital
Como se faz um livro
Perdeu as outras entrevistas da séria Como se faz um livro?
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Até a próxima!
Com carinho,
Valéria Martins | Agente Literária da Oasys Cultural