Traduzir Rosa
Entrevista com Alison Entrekin, tradutora de “Grande sertão: Veredas” para o Inglês
Alison Entrekin viveu 10 anos às voltas com a tradução para o Inglês de "Grande Sertão: Veredas", de João Guimarães Rosa. O resultado será publicado em 2026 pelas editoras Simon & Shuster (Canadá e Estados Unidos) e Blomsbury (Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido, Índia).
O novo título – Vastlands: The Crossing – contém um neologismo criado pela tradutora e é uma amostra do trabalho artesanal de criação de novas palavras, empreendido por ela, para fazer jus à obra-prima de Rosa.
Leiam a entrevista com Alison Entrekin – que também traduziu “Perto do coração selvagem”, de Clarice Lispector –, e saibam como funciona o trabalho artesanal e precioso de uma tradutora literária. Entrevista concedida a Valéria Martins.
Você passou os últimos 10 anos traduzindo a obra de João Guimarães Rosa para o Inglês. Quando e como surgiu a vontade de embarcar nessa jornada?
Alison Entrekin: Em 2014, a agência literária que representava a obra do Rosa entrou em contato perguntando se eu teria interesse em fazer uma nova tradução. Eu falei que faria uma experiência, para ver se dava conta daquilo. Interrompi um pouco o livro que estava traduzindo e verti três páginas de Grande Sertão: Veredas. Foi suado, mas gostei da experiência. Mesmo assim, achei que não conseguiria viabilizar o projeto — pela enormidade da empreitada e pelas dificuldades de conseguir os recursos necessários. Depois de alguns anos procurando apoio e uma tentativa fracassada de enquadrar o projeto na lei Rouanet, consegui o apoio do Itaú Cultural e comecei a trabalhar na tradução em tempo integral.
A tradução anterior, intitulada "The devil to pay in the backlands", data de 1963. O que a nova tradução traz para os leitores?
A: A tradução de 1963, feita por Harriet de Onís e James Taylor, não recria a linguagem do Rosa, pela qual o livro é famoso, apenas conta a história num inglês americano convencional — sem falar nos cortes.
Mas preciso dizer que o que eles fizeram foi heroico. Conseguiram atravessar 600 páginas de linguagem densa e muitas vezes indecifrável sem recursos: sem léxicos e dicionários especializados, sem as correspondências do Rosa com os outros tradutores, sem as outras traduções para consultar, sem a internet, mapas, livros teóricos, sem as milhares de teses de mestrado e doutorado sobre a obra que surgiram ao longo das décadas, e provavelmente sem o Dicionário de Folclore Brasileiro, de Câmara Cascudo, que foi publicado no mesmo ano que Grande Sertão: Veredas.
Ao cotejar a minha tradução com a de 63, notei algo interessante: as partes onde eu havia grifado as minhas dúvidas mais ‘cabeludas’ eram, quase sem exceção, as mesmas partes que foram limadas da tradução de Onís e Taylor. Eu consegui resolver a maior parte dessas dúvidas porque tive acesso à fortuna crítica, eles não.
Diferentemente da tradução de 1963, que se preocupa mais com o sentido, e menos com os cacoetes da linguagem do Riobaldo, busquei recriar a alquimia linguística do Rosa em inglês. Procuro não só traduzir o “que”, mas também o “como” — não só a história, mas também a maneira de contar a história, com todas as peripécias linguísticas do Rosa. É uma tradução estrangeirizante, que não facilita a vida do leitor, mas procura envolvê-lo num jogo de palavras um pouco fora do eixo, mas que é prazeroso, mesmo que o leitor não consiga apreender todas as possibilidades semânticas numa primeira leitura. Tudo isso baseado, é claro, numa análise profunda das “regras do jogo” do Rosa.
Você criou um método para criar novas palavras em inglês e, assim, fazer jus às novas palavras criadas por Rosa ao longo de todo seu romance. Pode contar um pouco de como foi esse método?
A: O Rosa tinha uma habilidade incrível de criar neologismos a partir de praticamente qualquer palavra, lançando mão de estratégias como analogia, aglutinação, sufixação, apócope (a elisão de letras), onomatopéia, empréstimos de outras línguas, e palavras que ele uniu para criar novas palavras compostas — palavras-valises — que ainda ecoam com os significados das palavras originais. Grande Sertão: Veredas contém milhares de neologismos. Na tradução, sempre que possível, eu tentava fazer o que ele fez no original. No caso das palavras-valises, eu procurava entender sua árvore genealógica — as palavras das quais foram feitas. Depois eu traduzia essas palavras originárias e, em seguida, fazia enxertos com pedaços delas, na esperança de que alguma das minhas experiências "pegasse". É brincar de Frankenstein!
Veja, por exemplo, a palavra “turbulindo”, gerundio do verbo hipotético “turbulir”, que é filhote do substantivo “turbilhão” e do verbo “bulir”. Em inglês, eu juntei awhirl (turbilhão) e turmoil (tumulto, confusão, desordem) para criar “awhirmoil”.
Quando o livro será publicado em Inglês e em quais países?
A: A nova tradução, intitulada Vastlands: The Crossing, sai em 2026, nos EUA, Canadá, Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia, e talvez na Índia.
Você também traduziu "Perto do coração selvagem", de Clarice Lispector. Traduções desafiadoras são a sua especialidade?
A: Sou atraída pela linguagem. E gosto, sim, de um desafio, seja na rima e na escansão de um livro infantil, na densidade ou na economia da linguagem na poesia, ou na voz de um narrador que traz algo surpreendente na maneira de contar a sua história.
Como acha que o público de língua inglesa vai receber a nova tradução de "Grande sertão: Veredas" com todos os neologismos que você criou?
A: Não tenho uma bola de cristal para prever a recepção, mas espero que fiquem arrebatados pelo livro tais quais os primeiros leitores, o agente literário e os editores, que se apaixonaram pelo livro na nova tradução.
Prêmio Oceanos abre inscrições
Estão abertas até 17 de março as inscrições para o Prêmio Oceanos – Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa 2025. Podem ser inscritos romances, livros de poesia, conto, crônica e dramaturgia, impressos e digitais, de editoras ou autopublicações, editados em qualquer lugar do mundo, escritos, porém, originalmente em língua portuguesa e publicados entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2024. A premiação é de R$ 300 mil, divididos entre os vencedores. Todo o processo da premiação é acompanhado de perto pelos curadores de Cabo Verde, Moçambique, Portugal e Brasil. Regulamento aqui.
Prêmio SESC de Literatura com inscrições abertas
Estão abertas até 10 de março as inscrições (gratuitas) para o Prêmio Sesc de Literatura, voltado para originais inéditos e dedicado a revelar novas vozes da literatura brasileira. Podem ser inscritos textos nunca antes publicados nas categorias Romance, Conto e Poesia. Os vencedores terão seus livros publicados pela Editora Senac Rio e receberão o valor de R$ 30 mil cada. Uma novidade é que em 2025 os finalistas serão revelados. A relevância deste prêmio sofreu um baque devido à censura do romance vencedor em 2023, “Outono de carne estranha”, de Aírton Souza, mas, ainda assim, vale a pena concorrer. Regulamento e inscrições aqui.
Primeiro festival dedicado ao gênero fantasia
Os amantes da literatura fantástica ganham um festival para chamar de seu. É o FliFantasy – Festival Literário de Fantasia, que acontecerá dia 13 de abril no Marte Hall (Rua Domingos de Morais, 348 – São Paulo / SP), ao lado do metrô Ana Rosa, das 11h às 18h, reunindo autores, editores, influenciadores, ilustradores e leitores. Grandes nomes do cenário nacional estão confirmados e a campanha de financiamento coletivo se encontra em curso no Catarse. Além de ingressos antecipados, os apoiadores terão acesso a benefícios exclusivos, como encontros com convidados, materiais especiais e brindes temáticos.
O ineditismo da obra
Devo publicar meus contos e poemas na rede social? Isso me trará seguidores? Talvez sim, mas as obras deixam de ser inéditas. Quais as implicações disso? Ouça o que a agente literária tem a dizer e proteja o que lhe é mais precioso:
Romances sobre relações tóxicas
A propósito do recente imbroglio desencadeado pelo podcast “CPF na nota?”, da Rádio Novelo, Oasys Cultural mapeou cinco bons romances que tangenciam a questão dos relacionamentos tóxicos ou abusivos. Quem nunca? Lembrando que todas as pessoas, independente da opção sexual, estão sujeitas a esta armadilha. Sigmund Freud, pai da psicanálise cunhou o termo “encaixe/enlace neurótico” para designar esta circunstância. Vale a pena pesquisar. Clique no post abaixo e diga qual outro livro você acrescentaria:
Livros da Oasys traduzidos no exterior
A Oasys Cultural atua no exterior em parceria com agentes e tradutores de Literatura Brasileira. Esse é um trabalho demorado que requer paciência, delicadeza e Amor, como tudo o que fazemos - e os frutos vêm. Veja alguns dos títulos que ganharam versões em outras línguas:
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Até a próxima!
Com carinho,
Valéria Martins | Agente Literária da Oasys Cultural