Para celebrar o Dia do Editor, comemorado em 18 de abril, a Oasys Cultural convidou Maria Amélia Mello, uma das mais prestigiadas editoras do Brasil, para conversar com a gente.
Maria Amélia trabalha no mercado editorial desde a década de 1970. Em 1985, entrou para a editora José Olympio, trabalhando com autores como Antonio Callado, Ariano Suassuna, Chico Buarque, Ferreira Gullar, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Ziraldo, sem mencionar a imensa gama de escritores internacionais. Em 2015, transferiu-se o Grupo Autêntica, onde coordenou projetos literários.
Por seu trabalho na área editorial, recebeu os prêmios "Faz Diferença", do O Globo (2006) e PublishNews (2023). Está lançando pela ComArte, editora da Escola de Comunicações e Arte (ECA), da USP, o volume "Editando o editor", número 10, abordando sua trajetória editorial.
São muitas homenagens e a Maria Amélia merece todas. Da Oasys também!
Bate-papo com a editora
Quais são as atribuições da profissão de editor/editora?
Maria Amélia: O editor é uma figura antenada ao mercado cultural, não apenas ao editorial. E não necessariamente das 9 às 18 horas. Em geral, as ideias, os projetos acontecem fora do horário comercial, vamos chamar assim. Após anos de trabalho, de experiência, nosso olhar fica treinado para entender e descobrir autores e livros. Mas, acredito na sorte, nos acasos, nos imprevistos, também. Pelo menos, tem acontecido assim comigo.
O editor é muito curioso, está sempre em busca e perseguindo um projeto, uma ideia.
Sou uma editora que valoriza a memória, os clássicos (brasileiros ou não) e um dos meus maiores prazeres é inventar livros. Por exemplo, Os sabiás da crônica, que despertou muito interesse da crítica e do leitor. A ideia nasceu de uma foto e foi tomando forma, contorno.
Resumidamente, quais são as etapas do processo de edição de um livro? Essas etapas podem variar de uma editora para outra?
Maria Amélia: Sim, as etapas podem (e devem) variar de um profissional para outro, de um projeto para outro, de uma editora para outra. Cada editor tem a sua marca, o seu jeito de editar, seu toque para realizar a edição.
No meu caso, posso citar alguns momentos: ao editar a obra de Ferreira Gullar ou de José Lins do Rego (era, então, editora da tradicional José Olympio), logo percebi as devidas características de cada autor, as suas especificidades.
Então, ao pensar o projeto gráfico (essa área me chama muita atenção e atrai interesse), fiz um briefing para conversar com os designers. Ou seja, dar ao conjunto daquela obra (coleção, vamos chamar assim) um elo de ligação entre os livros. Pode ser uma foto, uma cor, um desenho, as escolhas das capas, dos textos de apoio, orelhas, prefácio, etc.
A descoberta de um livro, de um autor virá, com certeza, acompanhado de uma ação editorial correspondente. O editor trabalha para o autor. É seu parceiro e seu interlocutor.
Alguns autores estão preferindo publicar seus livros de forma 100% independentes, sem a participação de um editor ou editora. O que disso?
Maria Amélia: Acho bem interessante e temos exemplos na nossa literatura. Carlos Drummond publicou por conta própria seu livro de estreia. Naquele momento, o mercado editorial ainda era muito amador. Hoje, temos a possibilidade de printing on demand, as editoras de pequeno porte (fiz um levantamento, por mera curiosidade, e identifiquei, numa primeira seleção, mais de 50 editoras atuantes, Brasil afora).
O mercado está muito competitivo, dinâmico e ágil, voltado para o retorno comercial imediato, pautado nas ferramentas do markting, do Tik tok (Book tok), de posts, etc. Nem sempre um autor estreante, jovem ou não, terá espaço. A regra do jogo é vender, girar o estoque rápido, ter presença nos pontos de venda. Isso dificulta muito, claro!
Mas, as editoras pequenas vão encontrando seus caminhos e produzindo com qualidade. Idem os escritores que partem para iniciativas pessoais, na internet, nos blogs. Tudo é renovador, desafiador e os editores estão de olho nestes criadores.
Como uma pessoa pode se tornar editora? Quais são os pré-requisitos?
Maria Amélia: É uma pergunta difícil, não há uma fórmula. O que podemos é listar algumas características que são comuns: cultura geral, curiosidade, dinamismo, coragem, dedicação exclusiva, muita leitura, conhecimento do mercado, familiaridade com as ações de marketing, contatos no meio editorial, ler em outras línguas (em particular, o inglês), arriscar, apostar (por isso comentam que todo editor tem alma de jogador), ter savoir-faire (para ganhar ou perder um autor, por exemplo), e contar com a sorte.
Veja, já mencionei a sorte duas vezes. Não posso falar por ninguém, mas posso assegurar que, no meu caso, não desperdicei alguns ventos da intuição.
A intuição se concretiza com o repertório cultural. Posso garantir: gostar de ler, ajuda, mas não basta. Eu, por amar os animais, pensava em ser veterinária. Uma confusão imatura, pois não tinha o talento, o rigor científico. O mesmo vale para o mundo dos livros. Ler, claro!, não é uma característica, é exigência da profissão.
Quanto tempo você trabalhou como editora e o que isso trouxe para sua vida?
Maria Amélia: A verdade é que entrei na área da edição um tanto por acaso. Sou formada em Comunicação Social pela PUC, do Rio e, a convite do editor Ênio Silveira, fui criar, organizar o departamento de imprensa da Civilização Brasileira. Vinha de jornal, editava um suplemento literário.
Foi meu contato inicial no mercado dos livros. Naquela casa, no final dos anos 70, logo percebi que a figura do editor era muito importante, que os livros passavam pelo crivo daquele profissional, que formavam um conjunto.
Nada era sem conexão. A seleção dos livros era pensada para criar uma identidade editorial, uma marca para aquela casa de livros, um fundo de catálogo. Isso é o que diferencia uma editora de outra. O estilo, o catálogo, as escolhas dos editores.
Fiquei fascinada por esse processo, mas só fui exercitar esse desejo, desenvolver esse talento (muito acerto e erro) na José Olympio.
Estou no mercado editorial desde o final dos anos 70 e como editora – de jornal ou livro – desde sempre. Mesmo quando assessora de imprensa. Não é pretensão (são duas áreas que se completam), mas na primeira oportunidade que surgiu, entrei de corpo e alma. Passo os dias pesquisando, analisando as edições, acompanhando os lançamentos, as reedições, as livrarias, sites, etc. Os editores são editores o tempo todo!